Poderia-se objetar uma certa ousadia ou (im)pertinência no “Redondela e Portugal”, sim, mas porque não? Mesmo sem sair no mapa, o descomplexado bairrismo local pode, se assim o desejar, dialogar com todo um país inteiro de entranhado orgulho mate que, na verdade, não sabe ainda mui bem – luxo apenas para alguns – onde começam e acabam as suas fronteiras, designadamente as fronteiras simbólicas.
E bom, neste “Redondela e Portugal” escreveremos – se vontades, abertura, tempo (climatérico) et al. ajudarem – acerca de diferentes casos, histórias e algumas curiosidades… que de alguma forma convocam Redondela e a República vizinha, Portugal.
Começamos, a modo de introito para esta série, por dar notícia dumas linhas do jornalista luso Hugo Rocha (Porto, 1907-1993) que dedicou uma não menor atenção à Galiza em três livros de viagens: Itinerário na Galiza, de 1946 e Encontros com a Galiza (2 volumes), estes de 1961 e 1963. Tomamos conhecimento dos trabalhos, devemos dizer, graças ao amável empréstimo do Dr. Henrique Barreto Nunes, ilustre monçanense e, diga-se de passagem, bom conhecedor das propriedades da Coca. Pois bem, o jornalista portuense, no Itinerário na Galiza refere, sem menção expressa da vila – perdoar-lho-emos, julgo –, um capítulo da história redondelana bem conhecido e até musealizado; a seguir transcrevemos algumas linhas:
“No Outubro de 1702, um comboio de galeões espanhóis, abarrotados de prata e oiro da América e escoltados por uma frota franco-espanhola de quarenta embarcações, sob o comando do conde de Chateau-Renaud e do comodoro Velasco, busca refúgio e guarida na enseada do lazareto de San Simón. Perseguem-no as duzentas velas da frota anglo-holandesa que o almirante Rooke governa. Os navios de Filipe V e Luís XIV oferecem fraca e incapaz resistência à coligação naval dos protestantes nórdicos […]. Os franco-espanhóis sucumbem, ante o poder e o ímpeto dos anglo-holandeses.
Para que os tesoiros que pejam os porões dos barcos acossados não passem, porém, para os porões dos barcos acossantes, os vencidos resolvem sacrificar a carga que atravessara o Atlântico e iria, se a salvo desembarcasse, tornar mais opulento e invejável o erário filipino. Rebentam explosões provocadas pela tripulação dos navios de guerra. Provoca-se o afundamento das naus cobiçadas. O naufrágio do comboio do oiro e da prata e da sua escolta remata a batalha. Consuma-se o suicídio – e a perda é total. Os marinheiros do Norte abandonam a presa que as águas da baía, patrioticamente, amortalham. Para se desforrar do malogro da acção, a esquadra agressora procede ao ataque das povoações costeiras, que saqueia e cujos habitantes aterroriza.
As riquezas do Perú e do México estão perdidas para todos. Ninguém as gozará jamais. Todavia, há quem sustente que a preciosa, para não dizer, a fabulosa carga lograra ser desembarcada, a coberto da refrega, e transportada para o interior da Galiza, para Lugo, em cuja catedral foi depositada [no entanto] o galeões continuam a gozar o seu remanso de séculos, que os interesses, as ambições, as cobiças dos homens não logram perturbar, e das suas carcassas podres e desfeitas não sai, para amostra uma só pepita de oiro ou uma só barra de prata”.
PS: XIV, é número, parece-nos, bem redondelano; falta é saber se as próximas entregas, de quem escreve ou de outrém, serão numericamente descrescentes ou o contrário.
Carlos Pazos-Justo (Braga)